Amigo meu de longas datas sempre repete, ao defender as motocicletas, que “o que mata não é a moto e sim o trânsito insano e a imprudência de quem está pilotando”. É uma boa teoria vinda de quem está ao guidão há anos, sem nenhum arranhão. O meu ponto de vista, depois de tanto tempo convivendo com números sobre o trânsito brasileiro, enviados por agências de notícias e secretarias de órgãos públicos, é que o comportamento ao volante é o termômetro mais assertivo para medir a educação e até a sanidade de um povo.
É só pesquisar, observar e comparar dados – por exemplo – do Japão, Dinamarca e Suíça com o Brasil, Venezuela e Colômbia. Informações cruzadas somente entre esses seis países já darão “pano pra manga” para se desenvolver um mestrado de sociologia com base em acidentes ligados aos automóveis com mortos, feridos e inválidos. A América Latina perderá, e o resultado estará – fatalmente – vinculado a fatores como imperícia, imprudência e inatenção. São os “três is” sempre presentes nas bagaceiras da vida. E não importa que esses acidentes ocorram na terra, no mar ou ar. O processo vale para todas as situações.
Hábeis pensadores sobre sociedade e Estado, como os atentos Ibn Khaldun, Arnold Toynbee e Robert Flint, observaram com exatidão que, após o surgimento das sociedades – nos quatro cantos do mundo, sem distinção de raça, cor e pujança financeira – o Estado teve que aparecer e funcionar como “uma força restritiva às propensões naturais para a selvageria e opressão inerentes aos seres humanos”. Isso mesmo: não somos, nunca fomos e jamais seremos bonzinhos.
A catalogação de conflitos e guerras, com medições quase exatas de datas e localizações geográficas, consegue retroagir em alguns milhares de anos. Mesmo com enfeites históricos que não passam de anedotas e viagens na maionese de alguns escritores, é possível se concluir que a raça humana jamais conviveu em paz e serenidade por longos períodos. Nativos (indígenas) de todas as regiões do planeta Terra foram massacrados impiedosamente em nome do “progresso”. Até os animais (mesmo os mais asquerosos e nocivos ao homem) têm sido dizimados por uma questão de domínio territorial ligado à expansão agrícola e inchaço urbano.
Minha inspiração para escrever sobre esse contexto que parece se perder numa ilogicidade de ideias que pouco tem a ver com carros, deu-se pela esdrúxula perseguição do condutor de um Porsche amarelo, que culminou num gravíssimo acidente fatal com a morte do motoqueiro que se tornou um alvo após uma discussão de trânsito.
O caso foi divulgado na mídia brasileira com ampla exposição. As matérias jornalísticas, com pouquíssimas referências sólidas sobre o aloucado duelo de máquinas e pessoas, relatam que a corrida da morte começou após a quebra do retrovisor do carro esportivo pelo condutor da moto. O fim da história resultou na pior forma com a inaceitável e imperdoável atitude do motorista do carro em seguir o ´inimigo´ (conhecido há poucos minutos) até conseguir matá-lo.
Até pessoas comuns e mansas podem “perder a cabeça” e cometer delitos graves como o citado fato. E mesmo em países com leis inflexíveis e punições duríssimas, o afloramento do lado mais selvagem da alma humana parece não se importar com as consequências das escolhas. Lugares com níveis de escolaridade e cultura mais elevados e com justiça aplicada com maior zelo tendem a ter um trânsito menos agressivo. O massacre a bordo do Porsche amarelo nada mais é que uma velha assinatura genética humana, nos mostrando de forma sangrenta que a barbárie permanece viva e que o mundo continua – mais ou menos – o mesmo. (Imagem: Microsoft Designer Creator IA / Instagram: @acelerandoporai.com.br)