Numa das muitas idas à ´Auto Clásica´ – fantástica exposição argentina anual de veículos antigos – que fiz junto ao saudoso amigo Roberto Nasser (o ´pai´ da placa preta e criador do termo ´antigomobilismo´), escutei de um rico colecionador local a seguinte frase: “A única coisa que dá mais prejuízo que carros antigos é uma bela amante argentina…” Piada machista à parte, a afirmação tem um fundo de verdade. O substantivo feminino ´coleção´ é definido como “uma reunião de objetos da mesma natureza, que trazem alguma relação entre si”, portanto, se você guarda dois ou mais itens de algo que, por alguma razão, te trazem algum tipo de prazer, você é um colecionador. Nasci gostando de carros (principalmente os antigos) e, ao longo da vida tenho insistido em preservar alguns exemplares. São poucos. Diferentemente de compactas coleções de selos, latinhas de cerveja ou canetas, colecionar carros é um hobby caro e, geralmente cultuado por gente esquisita e que muitas vezes nem tem condições financeiras de manter esse luxo. Na verdade, até os muito ricos deixam escapar uma reclamação sobre o ato insano que é possuir uma garagem cheia de automóveis antigos. Raríssimos são os proprietários que conseguem conservar e curtir os seus modelos clássicos. O sujeito tem um carro novo (para uso cotidiano) e se mete a sair comprando geringonças cheias de problemas às vezes insolúveis, só pelo fato de ter o prazer de contar aos amigos “que o acervo aumentou…” Eu faço isso desde os 17 anos! Comecei pela cansativa restauração de um Dodginho Polara GL (de 1979) e de lá pra cá já passaram pela minha vida (sugando paciência e dissipando dinheiro), um Fusca, três Dodges, um Simca e um VW SP-2 (esse último em fase inicial de restauração). Acredito que ´3´ seja o número mágico e racional para se pensar numa pequena e usual coleção de carros antigos. Apenas três carros extras na vida de alguém, já constituem uma ocupação e um problema suficientemente grandes. A experiência me habilitou a constatar isso.
Assim como o nosso corpo, um veículo (seja ele, novo ou muito velho) necessita constantemente de movimento. Carros antigos não utilizam sistema de injeção de combustível e sim, carburadores. Esse tipo de mecanismo possui peças sensíveis, como giclês, boias, cubas e juntas. Em uso, tudo isso se move em conjunto e… às vezes, até funciona bem. Em desuso, o mecanismo (tal qual uma planta), seca, murcha, quebra e tende a morrer. Aceite, portanto, essas dicas:
1) Só compre um carro antigo se você tiver espaço para guardá-lo.
2) Somente entre nesse ramo se isso não for prejudicar as despesas básicas de manutenção da sua família.
3) Prefira adquirir o ´sonho´ pronto! Mesmo que você seja familiarizado com consertos de funilaria e pintura, compreenda que a restauração de um veículo antigo depende de profissionais especializados e essas pessoas estão cada vez mais raras no Brasil, portanto, comprar um antigo em bom estado de funcionamento demandará apenas a manutenção básica dele. Coisa muito mais prática e prazerosa do que partir do zero numa ´ressuscitação´ lenta e cara.
4) Use os seus carros ou então construa um museu! Outra frase comum entre os antigomobilistas é que “carro que não anda, não faz história”. Isso é uma verdade. Conheço gente que tem belos automóveis, mas que estão sempre trancafiados em garagens inacessíveis. Jamais andam, pois, os donos têm medo até da chuva! Tudo bem: escolher um dia ensolarado para passear de carro antigo é bem mais prazeroso e ajuda na preservação da máquina, mas, não utilizá-los, significa acumular problemas. Como eu disse: é a mesma coisa do nosso corpo: se parar de se movimentar, a doença chega! Enfim… me inspirei a escrever sobre isso, pois, pela primeira vez o meu ´Fusca Itamar´ 1995 me deixou na rua. Parou geral no último passeio que fiz. Tive que empurrá-lo sozinho por uns 50 metros para desobstruir o trânsito. Já era previsível: por rodar pouco (apenas 61.000 km em 27 anos de uso), a bateria vinha apresentando sinais de fumaça e os carburadores, também. Possuir carro antigo é uma novela cheia de capítulos inusitados! Às vezes penso em desistir. Sinto raiva de mim mesmo em perder tanto tempo com isso e calafrios na espinha quando começo a fazer algumas contas, mas respiro fundo e, apesar de tudo, sigo adiante nessa aventura. A coisa se desenrola entre a insanidade de um amor bandido e a esperança em utópicos dias perfeitos, com carburadores eficientes, baterias que jamais descarregarão, sistemas elétricos com temperamentos mais amigáveis, lanterneiros bem-humorados, pintores que façam o serviço correto e freios que funcionem com perfeição. Só que não! A realidade recai em motores perdidos em oficinas que nem existem mais, carrocerias devastadas pela ferrugem, a dor do apego profundo a problemas que não têm mais solução e o cotidiano que clama por prioridades emergenciais de pura sobrevivência. Diante desse contexto surreal, os carros antigos continuam lá: quietos, insanos, poderosos, custosos e até inúteis aos olhos alheios. A confusão é grande, mas não resisto e me entrego a mais um copo, ao vício incurável, aos braços da linda, ardente e imaginária amante argentina que me proporciona ótimos momentos de prazer, mas me tira do sério e suga até o último centavo sem dó e piedade… (Foto: divulgação Agência FBA / Instagram: @acelerandoporai.com.br)