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“Rainy Taxi” – quando Dalí fez chover dentro de um Cadillac

Em janeiro de 1938, visitantes da Galerie Beaux-Arts em Paris ficaram boquiabertos ao encontrar um luxuoso Cadillac instalado no pátio – um automóvel que, surpreendentemente, chovia por dentro. Essa não era uma peça publicitária excêntrica ou um experimento tecnológico fracassado, mas “Rainy Taxi”, uma obra revolucionária criada por Salvador Dalí, o provocador gênio catalão que redefiniu os limites da arte no século XX.

Organizada por André Breton (o “papa do surrealismo”) e pelo poeta Paul Éluard, a mostra reunia o que havia de mais provocativo na arte europeia. Ao abrir a porta do veículo, os visitantes descobriam um interior onde chovia, literalmente. Sim, água de verdade caía do teto do carro através de um engenhoso sistema de tubulação instalado pelo artista.

Pesadelo automotivo >> Dentro desse dilúvio automobilístico, dois manequins em escala real completavam a cena. No banco do motorista, uma figura masculina usando uma cabeça de tubarão-martelo. No banco traseiro, uma manequim feminina vestida com uma camisola de seda branca que ficava progressivamente encharcada.

Os detalhes perturbadores se multiplicavam: caracóis vivos rastejavam sobre os manequins, feijões espalhados pelo assoalho do carro brotavam com a umidade constante, e plantas cresciam em locais inesperados do interior do veículo. O conjunto criava uma sensação de decadência e fertilidade simultâneas – como se o próprio carro estivesse se transformando em um ecossistema alienígena.

Por que um Cadillac >> A escolha de um Cadillac para esta intervenção não foi aleatória. Em 1938, o Cadillac representava o epítome do sonho americano, simbolizando luxo, status e progresso tecnológico. Dalí, fascinado pela cultura americana (que visitara pela primeira vez em 1934), via nos automóveis de luxo dos EUA a materialização do desejo consumista. Ao transformar um símbolo de status em uma visão grotesca e desconcertante, Dalí criticava o consumismo e a obsessão com aparências da sociedade moderna.

Automóveis e ansiedade pré-guerra >> É importante lembrar que “Rainy Taxi” surgiu em um momento extremamente tenso da história europeia. Em 1938, a Espanha de Dalí estava devastada pela Guerra Civil, a Alemanha nazista anexava a Áustria, e toda a Europa caminhava inexoravelmente para a Segunda Guerra Mundial.

O automóvel, que na década anterior simbolizava otimismo e progresso, começava a ganhar conotações mais sombrias, associadas ao militarismo e à mecanização da morte. O táxi encharcado de Dalí, com sua combinação de luxo e decomposição, capturava perfeitamente a ansiedade daquela era.

Infelizmente, como muitas instalações artísticas temporárias, o “Rainy Taxi” original não existe mais. O Cadillac foi desmontado após a exposição, e hoje sobrevivem apenas fotografias em preto e branco e descrições de testemunhas. Em 1974, Dalí recriou uma versão dessa obra para o seu Teatro-Museu em Figueres, Espanha, desta vez utilizando um Cadillac mais antigo. Essa versão, embora diferente da original, pode ser visitada até hoje.

Dalí e os Automóveis

– Apesar de sua obsessão por carros luxuosos, Dalí nunca aprendeu a dirigir. Ele sempre dependia de motoristas ou de sua esposa Gala para se locomover.

– Em 1941, Dalí desenhou um “Carro Afrodisíaco” para o filme “Moontide” de Fritz Lang – um veículo coberto por estátuas e adornos extravagantes que nunca saiu do papel.

– O artista possuía um Cadillac modelo 1941 personalizado, no qual viajou dos EUA de volta à Europa após a Segunda Guerra Mundial. Ele chamava o veículo de “seu escritório móvel”.

– Em 1969, Dalí criou comerciais para a Ford, declarando: “Sou louco por carros. Eles são o símbolo perfeito da técnica moderna aliada à paranoia”. (Foto: reprodução)