O carisma gigante e a simplicidade do velho e bom Fusquinha

Ultimamente, para ampliar os bons momentos de vida, tenho utilizado demais o meu Fusca, um modelo ´Itamar´ branco, standard, totalmente original, com motorização de 1.600 cm³, movido a gasolina. Me encanta a simplicidade do projeto iniciado nos anos ´1930, data em que foi criado e que, com mínimas alterações, foi mantido pela Volkswagen entre 1938 (marco do seu lançamento oficial) até 2003 quando se aposentou definitivamente no México, último país que o produziu.

Um sensacional detalhe técnico dessa máquina alemã desenvolvida por Ferdinand Porsche é o ronco do seu motor boxer, que brinca com as leis da física ao ofertar quatro cilindros opostos e montados de maneira horizontal num desenho industrial absolutamente fantástico. A impressão que se tem é que uma mágica impede que todo o óleo do motor vaze e que aquele propulsor, de fato, seja regido por equações extraterrestres.

O tilintar das suas válvulas é uma sinfonia perfeita criada por Beethoven com espetacular sincronismo, digno de comparação com os melhores relógios suíços. São apenas 58,7 cv de força máxima e torque de 11,9 kgf.m, mas esses números aparentemente baixos não refletem a capacidade desse monstro sobre quatro rodas. Os dóceis ´cavalos´ dessa máquina podem enfrentar até um navio de guerra! Para um Fusca se tornar um objeto inservível, são necessários terremotos, vendavais e guerras atômicas, dada a sua alma indestrutível.

Também acredito que, por obra de alguma força alienígena, absolutamente todos os Fusquinhas do mundo cheiram a gasolina. Por mais esforço que se faça ao se trocar a mangueira de condução do combustível, manter os filtros em dia, verificar, descobrir e sanar vazamentos, utilizar abraçadeiras novas e ter a bomba de alimentação em pleno funcionamento, o Fusquinha teima em perfumar seus ocupantes com o delicioso aroma da gasolina. Isso é poético demais! Você, o barulho daquele maravilhoso motor, o vento entrando pelas janelas, Pink Floyd em fita K-7, a paisagem, as lembranças, as saudades e o cheirinho do combustível… um sonho sobre quatro rodas!

Seguramente, não há no mundo até hoje um carro que tenha sido mais modificado e adaptado do que o Fusca. Existem versões que refletem todos os tipos de loucura: Fusca movido a vapor, anfíbio, com câmbio automático, direção do lado direito, conversível, dentre tantas outras configurações inimagináveis e que não combinam com carro algum, a não ser com ele.

De saída para um passeio, ainda no estacionamento do condomínio aonde moro, avistei cena inusitada: quatro crianças (entre 6 e 9 anos, no máximo) sorriam e tocavam no Fusquinha branco, explorando as formas dos para-lamas arredondados, a esquisitice dos para-choques de aço e a simpatia das sinaleiras que são aqueles estranhos ´pingos´ cor de laranja acima dos faróis redondos. As crianças e suas mamães se divertiam ao redor do Fusca. Cheguei, pedi licença e disse que iria sair. O coro da meninada foi uníssono: – Buzina, tio!! Liguei a máquina e obedeci ao pedido, agora comemorado em enorme euforia e assistido por mim, sorrindo e olhando pelo retrovisor… (Foto: acervo Agência FBA / Instagram: @acelerandoporai.com.br)