O fundador da marca Chrysler – Walter Percy Chrysler – nasceu no dia 2 de abril de 1875. Não foi por acaso, então, que o lançamento do saudoso Dodginho 1800 ocorreu aqui no Brasil no dia 2 de abril de 1973. Antes que haja alguma confusão, caso você não seja fã das marcas Dodge e Chrysler, entenda que a empresa norte-americana “Dodge” (que foi fundada no ano 1900 como ´Dodge Brothers´), passou a ser uma marca do grupo Chrysler em 1928.
Início conturbado >> Mas…, afinal de contas: o que aconteceu (ou deixou de acontecer) com o Dodginho, para que ele não tenha obtido o merecido sucesso de vendas no mercado brasileiro? Segundo o carioca Rodrigo Copelo, apaixonado pela marca, com quatro exemplares na sua garagem, sendo um deles um Dodginho Polara prata – recordista em competições de Arrancada –, o ponto negativo da chegada desse veículo ao Brasil deu-se, primordialmente, pela pressa do fabricante em colocar o modelo no mercado antes da concorrência. Os principais oponentes do Dodginho eram o VW Passat, Ford Corcel e Chevrolet Chevette, ambos, velhos conhecidos do público brasileiro e que tiveram prósperas carreiras com diversas séries especiais, tipos de carrocerias diferentes e constantes melhoramentos mecânicos e estéticos.
Opinião >> “A grande questão sobre o insucesso desse carro no mercado brasileiro, é que no início da produção do Dodge 1800 em 1973, aconteceram alguns problemas de qualidade devido à pressa da fábrica em lançá-lo antes dos outros concorrentes. Por exemplo: havia um desalinhamento crônico das portas, as buchas da caixa de direção (feitas de metal) geravam um barulho excessivo, alguns exemplares simplesmente começavam a enferrujar a carroceria, dentre outros detalhes técnicos que, de fato, faziam o Dodginho apresentar defeitos, mesmo tendo saído recentemente da concessionária”, ressalta Rodrigo Copelo.
Medidas urgentes! >> Os três primeiros anos de fabricação desse carro no país, portanto, marcaram um período conturbado da Chrysler do Brasil, que não conseguiu acertar devidamente o conjunto mecânico e começou a sentir o peso do crescimento das vendas dos já citados oponentes. “Em 1976, a Chrysler rebatizou o Dodge 1800 para ´Dodge 1800 Polara´, realizando muitas mudanças significativas, que foram feitas após um longo processo de entrevistas junto ao público consumidor que possuía Dodginhos, e também contou com a preciosa consultoria do saudoso Mário César de Camargo Filho, o ´Marinho´, que foi considerado o ´Pai´ do Polara, devido à sua larga experiência em competições e preparações desse modelo desde o início da produção. Inclusive, em 1973 o Marinho venceu a dificílima prova dos ´500 km de Interlagos´ a bordo de um Dodginho 1800, evidentemente, todo preparado para corridas. Isso, a meu ver, foi uma comprovação perfeita de que o carro era bom, pois suportou condições adversas e ganhou a corrida!”, destaca Copelo.
Mudanças necessárias >> Na tentativa de reabilitar a arranhada reputação do Dodginho 1800 (que já havia adquirido apelidos maldosos como, por exemplo, ´1800 defeitos´ ou ´Maestro: um conserto em cada esquina…´) em 1976 a Chrysler do Brasil ajustou a altura da suspensão traseira (que ficou mais baixa), a altura da suspensão dianteira (que ficou mais alta, nivelando a carroceria de um modo geral), mudou os padrões de alinhamento de suspensão, passou a oferecer a opção de servo-freio e pneus radiais, introduziu o cabeçote com válvulas de escape e dutos maiores, comando de válvulas com maior graduação, coletores de admissão com dutos mais largos, adotou o carburador SU HS6 com borboleta de 40 mm, subiu a taxa de compressão para 7,7:1, remodelou o interior do carro, modificou a grade, trouxe novas lanternas traseiras, emblemas e molduras. Além disso, o motor passou a oferecer 10 hp a mais, saltando para 92 hp de potência máxima. Mas será que isso foi o suficiente para virar o jogo? Infelizmente… não.
Um projeto global >> Antes de falar sobre o fim do Dodginho no Brasil, conheça um pouco do começo de tudo. A base do projeto do Dodge 1800 que foi fabricado e vendido por aqui, vem do Hillman Avenger, um carro compacto inglês que foi desenvolvido pela Chrysler Europe. O curioso é que o mesmo veículo que foi comercializado no território brasileiro com pouco sucesso, obteve notoriedade e agradou demais ao público em diversos países como a Austrália, África do Sul, França, Portugal, Espanha, Venezuela e Argentina.
Segundo os dados publicados na época pela Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), foram vendidas 92.665 unidades de Dodginhos no Brasil; mas há controvérsias nesses levantamentos, pois os fãs mais puristas da marca afirmam que – entre os modelos 1800 e Polara – foram fabricados 94.217 carros desses por aqui. São números baixíssimos quando comparados aos dos bem mais famosos Passat, Chevette e Corcel, carros que ajudaram a capitalizar os caixas das multinacionais Volkswagen, Chevrolet e Ford, respectivamente, nos anos ´1970 e ´80.
Destino que continuou incerto… >> Não se sabe ao certo quais as razões principais que levaram o simpático Dodginho 1800 e o Polara (a sua versão melhorada) a jamais decolarem nas vendas aqui no Brasil. A questão é que a má fama se espalhou na boca do povo e, muita gente que jamais havia, sequer, se sentado dentro de um Dodginho, o criticava ferozmente. Seu sistema de carburação, por exemplo, foi um dos vilões no imaginário coletivo dos mecânicos brasileiros, que, simplesmente, se recusavam a tentar regular a peça ou fazer uma limpeza de primeiro escalão. Apelidaram-no de ´carburador deitado´. Ao contrário do que se pensa, os carburadores do Dodginho sempre foram de composição mecânica simples e de baixíssima manutenção. Há quem diga que o Dodginho “foi um carro mal interpretado…”
Outro problema, esse sim, realmente inaceitável, era o despreparo que a própria rede de concessionários tinha para lidar com os ´melindres´ desse carro. Há relatos de abandono de veículos na porta da fábrica da Chrysler, por causa de insatisfação com panes que não se resolviam de forma alguma! Sem esquecer que faltavam peças de reposição nas revendas e eram pouquíssimos (quase inexistentes) os acessórios para equipá-lo de uma melhor maneira. Com tudo isso, alguns importantes veículos de mídia da época, elegeram o Dodginho 1977 como “o carro do ano” no Brasil.
Enfim: o Dodginho prestava ou não? >> O rebelde Dodge 1800/Polara foi um excepcional veículo produzido nacionalmente, mas, como se pode perceber, por aqui ele sofreu uma série de circunstâncias desagradáveis e outros tantos obstáculos que jamais conseguiu superar. A impressão que se tem é que os diretores da Chrysler do Brasil naquela época não deram a devida importância a esse magnífico carro compacto, concentrando-se apenas nos ´Dojões´ Dart, Charger R/T e, posteriormente, Magnum e Le Baron, veículos situados em tamanho e potência, acima do Chevrolet Opala, mas que jamais conseguiram superar a magnitude do Ford Galaxie.
Por experiência própria, pois sou proprietário de um Polara 1976 ´standard´ (o mais simples do catálogo na época), o Dodginho é uma delícia de se guiar: tem a suspensão macia e o câmbio manual mais “aveludado” e divertido que se possa imaginar. Em termos de concepção construtiva, tecnologia e segurança, equiparava-se totalmente aos seus rivais, inclusive, sempre foi muito mais feroz nas pistas, encarando carros bem mais potentes. Infelizmente, esses erros aconteceram e, associados a isso, a fofoca nas oficinas e a má fama que foi parar na grande imprensa da época, limitaram uma possível bela história de sucesso que jamais aconteceu. Desses quatro carros citados, somente o Chevette e o Dodginho ofereceram a opção de câmbio automático aqui no Brasil. Após paixões, reveses, vitórias nas pistas e derrotas na mídia implacável…, em junho de 1981, já sob a batuta da Volkswagen (nova dona da marca Chrysler no Brasil), os Polaras nas versões GL e GLS foram descontinuados para sempre, encerrando uma incrível saga de conquistas, superações, glórias e lágrimas… (Crédito das imagens: Google free royalties / Maxicar / Rodrigo Tavares / Revista Carro / Acervo pessoal / Agência FBA)