O problema está nos eventos que nos acometem ou na maneira como os interpretamos? O filósofo existencialista Jean-Paul Sartre fica com a segunda opção: “Não importa o que fizeram de mim; o que importa é o que eu faço com o que fizeram de mim”. Sob essa ótica, a vida oferece uma margem de liberdade diante do inevitável, permitindo-nos encontrar leveza no peso das circunstâncias, dos congestionamentos, dos defeitos — ou talvez o inverso.
Essa leveza, contudo, não é fruto da negação das dificuldades, como sugerem algumas abordagens superficiais de otimismo. Em “A Insustentável Leveza do Ser”, Milan Kundera pergunta: “Mas será mesmo atroz o peso e bela a leveza?”. Kundera explora o paradoxo do fardo, que, apesar de nos comprimir e manter presos ao chão, pode também representar a realização mais intensa da vida: “Na poesia amorosa de todos os séculos, porém, a mulher deseja receber o fardo do corpo masculino. O mais pesado dos fardos é, portanto, ao mesmo tempo a imagem da realização vital mais intensa. Quanto mais pesado é o fardo, mais próxima da terra está nossa vida, e mais real e verdadeira ela é.”
Devemos negar o que é difícil, excluir a dor, fugir do sofrimento? O outro, o trânsito, a buzina, a falta — será que precisam mesmo ser excluídos, ou são apenas partes inevitáveis do todo? É necessário que tudo mude para que sejamos felizes? E, mais importante: ser feliz é mesmo uma condição obrigatória para alcançar a plenitude? “Não quero ser feliz. Quero é ter uma vida interessante”, provocava o psicanalista Contardo Calligaris. Para ele, a felicidade plena é uma ilusão que busca nos poupar das dores da vida. “É preciso sentir plenamente as dores: das perdas, do luto, do fracasso. Eu acho um tremendo desastre esse ideal de felicidade que tenta nos poupar de tudo o que é ruim.” Então, o que importa? Nietzsche dizia que, “quem tem um porquê enfrenta qualquer como”. Qual é o porquê que te ajuda a incluir os desafios do dia a dia? O que dá sentido ao peso e à leveza de sua existência?
Calligaris tinha uma anedota para isso: “Um comunista radical, de várias gerações de militância, está no leito de morte. Então, ele manda chamar o padre e pede para se arrepender, receber a extrema-unção e, portanto, de certa forma, se converter. Recebe a comunhão e a extrema-unção, e o padre vai embora. Em seguida, entram todos os seus amigos e camaradas do partido, dizendo: “Mas você enlouqueceu? O que é isso? Você decide se render nessa altura?” Então, nosso herói dá uma resposta famosa: “Eu não mudei de ideia, imagina! Nem pensar! Eu só pensei que, como vou morrer, é melhor que morra um deles do que um dos nossos. Assim, me converti para morrer como um católico e não um comunista.”
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