buru-rodas

Arquitetura hostil: a cidade que nos habita

Cotidianamente, pela janela do carro, a cidade grande nos revela hostilidades sutis. A menos que você seja um dos poucos privilegiados que contemplam o mar ou as montanhas da sua janela, provavelmente seu olhar encontra uma paisagem urbana com bancos públicos seccionados por divisórias metálicas que impossibilitam o repouso, pedras pontiagudas estrategicamente dispostas sob viadutos para expulsar pessoas em situação de vulnerabilidade, calçadas projetadas para inibir a permanência e o encontro, até mesmo o mobiliário dos restaurantes fast-food, com suas mesas e cadeiras fixas, cronometrando silenciosamente o tempo de uma refeição apressada.

Esse conjunto de estratégias arquitetônicas que afastam, segregam e controlam é chamado de arquitetura hostil. Por mais silenciosa e inerte que pareça, essa arquitetura carrega uma mensagem: a exclusão, reflexo do modo como priorizamos (ou ignoramos) a convivência, o acolhimento e o bem-estar coletivo. E, como diria o poeta, cineasta e “psicomágico” chileno Alejandro Jodorowsky, tudo o que nos rodeia influencia nossa psique – seja para curar, seja para ferir. Segundo Jodorowsky, os objetos e formas que compõem o mundo ao nosso redor carregam energia, significados e até memórias inconscientes que moldam a maneira como percebemos a realidade.

Em seu “Manual de Psicomagia”, ele ressalta que tudo que nos cerca atua como uma chave para abrir traumas ou liberar curas. Assim, quando vivemos imersos em uma paisagem repleta de barreiras, pontas afiadas e separações, nosso inconsciente absorve essas mensagens de exclusão e rejeição. Como, então, nos libertar do impacto dessas paisagens, especialmente quando não temos controle sobre elas?

Rituais de ressignificação >> Ao cruzar com a arquitetura hostil, frequentemente experimentamos uma sensação de desconforto difuso, como se algo estivesse fora de lugar. Talvez sejam os muros que erguemos em nossas mentes, as separações que criamos entre “nós” e “os outros”, o que aceitamos e o que rejeitamos.

Jodorowsky talvez sugerisse transformar esses elementos em símbolos – não de exclusão, mas de reconexão. Ele acreditava no poder de rituais para reprogramar o inconsciente, e é possível trazer essa sabedoria para nossa relação com o espaço urbano. Uma forma de neutralizar o impacto da arquitetura hostil é buscar conexão com elementos que nos tragam cura e acolhimento: uma árvore, um jardim, uma praça aberta. O contato com o que é vivo e generoso – a natureza, a arte, o afeto – ajuda a reequilibrar o impacto negativo do concreto.

Embora não possamos mudar todas as formas físicas que nos rodeiam, podemos mudar a maneira como interagimos com elas e como as interpretamos. Jodorowsky nos lembraria que o poder do inconsciente é vasto e maleável. Ao redirecionarmos nosso olhar, ao criarmos novos símbolos e ao preenchermos as lacunas deixadas pela hostilidade com gestos de inclusão, começamos a transformar não só a paisagem, mas também a nós mesmos. (Imagem: Microsoft Designer Creator IA / Instagram: @acelerandoporai.com.br)