Outro dia vi uma ´pelada´ (jogo de futebol de várzea, um racha ou um ´baba´, como dizem os baianos) com uniforme, juiz e… carro de som com locutor e comentarista! Uniforme e juiz ainda admito, pois isso é costume antigo nos bairros, elevam os times à uma espécie de ´Série A´ da periferia, mas carro de som ocultando os palavrões reais, as faltas injustas e a arbitragem maliciosa que sempre existiram na cultura futebolística ´raiz´, isso, dentro do meu universo cheio de licenças poéticas, não posso admitir. Pelada boa é aquela debaixo de uma chuva torrencial, com duas grades de cerveja apostadas no fio do bigode, sem linha de impedimento e com término definido só e somente só após o suado “gol da lua”, o momento crucial que cessará o cansaço e dará início à saudável chacota dos vencedores contra os vencidos. Tudo limpo: sem juiz, bandeirinha, sem política ou resultados comprados.

Dentro desse contexto, relembrei de uma fala do saudoso Ayrton Senna durante uma entrevista em 1993, alguns meses antes da sua morte. O repórter britânico Mark Fogerty perguntou ao piloto brasileiro “quem tinha sido o seu maior rival”. Senna foi rápido e respondeu que o seu oponente mais forte havia sido Terry Fullerton, profissional com quem dividiu a mesma equipe nos campeonatos mundiais de kart entre 1978 e 1980.

Prestes a completar 70 anos, o inglês Fullerton – que é nascido em 4 de janeiro de 1953, portanto, 7 anos mais velho que Ayrton – apesar do enorme talento e dos muitos prêmios conquistados, não era uma personalidade conhecida do chamado ´grande público´. Mas ele ganhou notoriedade após isso, já que o trecho integra, também, o documentário “Senna, o brasileiro, o herói, o campeão´, hoje também à disposição na Netflix.

Tanto o grande tricampeão Senna, quanto o notável Fullerton falaram exatamente disso, da época das corridas reais, de alto nível, feitas em condições de maior equiparação de equipamento, aonde o próprio piloto era, de fato, o elemento que diferenciava o resultado final. Ambos enfatizaram, com saudosismo, que tiveram a honra de serem de uma época aonde as corridas eram verdadeiras, “com pilotagem pura e sem nenhum tipo de política” definindo regras, parâmetros e até resultados.

Hoje em dia quando vejo futebol na TV, o “VAR” me irrita por, tantas vezes, deixar as coisas certinhas demais num ambiente que nunca foi exato demais… Assim como na Fórmula 1 atual o excesso de regrinhas, punições, parâmetros, frescuras e mais frescuras, impedem uma competição mais acirrada e que extrapole as chatices do ´politicamente correto´! Quero ver a manha do Pelé renascer, um novo Senna passar voando pelos boxes para cortar caminho (como o nosso Senna original já fez), quero ver Fullerton continuar imbatível para, somente assim, Jorge Ben se inspirar criando um samba sensacional daqueles que não se ouve mais… (Fotos: Google free royalties, Instituto Ayrton Senna & FIA / Instagram: @acelerandoporai.com.br)